Como a Religiosidade se Relaciona com a Comunidade LGBTQ+?

A religiosidade e a espiritualidade são associadas a um maior nível de bem-estar, autoestima e saúde psíquica. No entanto, para a comunidade LGBTQ+, essa relação pode se dar de forma ambivalente, dependendo da relação do indivíduo com suas crenças, sua subjetividade, a religião ou espiritualidade de escolha, entre outros fatores. 

A religião e a espiritualidade, embora semelhantes, são diferentes. A primeira é caracterizada por um sistema de crenças organizado e partilhado com uma comunidade, e a segunda, uma experiência que pode ser vivenciada dentro ou fora de uma comunidade religiosa, se tratando mais de uma busca de sentido e propósito pessoal. As últimas informações do IBGE quanto a religiosidade da população brasileira, de 2010, apontam que 90% é vinculada a alguma religião, sendo o cristianismo predominante. Sendo assim, muitos indivíduos que se identificam como LGBTQ+ se relacionam com a fé, de forma direta ou indireta. 

A fé, especialmente quando vinculada a templos de adoração inclusivos ou a uma ressignificação de Deus pode ter efeitos muito positivos na saúde mental e na inclusão social de pessoas LGBTQ+, estando associada a um sentimento de comunidade, diminuição da culpa quanto a sua identidade, esperança, diminuição de sintomas de depressão e meios para o enfrentamento de estressores externos e a homonegatividade internalizada. Em algumas denominações do cristianismo, o movimento atual é a contextualização e percepção histórico-crítica dos textos bíblicos. Através das relações sociais entre membros de tais comunidades religiosas, indivíduos LGBTQ+ podem também ressignificar suas identidades de forma mais positiva. 

No entanto, muitos religiosos e locais de adoração ainda possuem diferentes tipos de discursos LGBTQ+ fóbicos, que influenciam negativamente a saúde mental e o sistema de apoio de pessoas LGBTQ+. O contraste entre a  vivência enquanto minoria sexual ou de identidade de gênero e o discurso religioso, pode gerar conflitos mentais e grande estresse, diminuindo a autoestima, sentimentos de bem-estar e está associado a uma maior homofobia internalizada. Para conciliar suas práticas religiosas e identidade, alguns indivíduos recorrem a não se exporem enquanto LGBTQ+ em sua comunidade religiosa ou até mesmo a não “praticar” sua identidade por completo (através do celibato por exemplo em um indivíduo homossexual), sendo que dentre as possíveis violências de indivíduos religiosos para com pessoas LGBTQ+, também podemos pensar naqueles que acolhem tais pessoas com o discurso religioso, com o propósito de mudá-las, “curando-as da homossexualidade”.

É importante destacar que a relação entre a religiosidade e a comunidade LGBTQ+ não se restringe ao nível individual, mas também ao social. Através do discurso religioso, preconceitos, estereótipos e falsas associações sobre a comunidade LGBTQ+ são propagadas, afetando inclusive os direitos LGBTQ+. Através de sua influência política, cristãos conservadores utilizam de argumentações religiosas para tentar modificar a legislação brasileira atual, criminalizando identidades e práticas da comunidade LGBTQ+, fenômeno que vem ocorrendo há décadas, mas que se intensifica nos últimos tempos. 

Portanto, a relação entre a religiosidade e a comunidade LGBTQ+ pode se dar de diversas formas, e contribuir tanto para a melhora da qualidade de vida de tais indivíduos, quanto o oposto, tanto de forma direta através dos conflitos cognitivos provenientes do discurso religioso homofóbico, quanto indireta através da disseminação do preconceito e da influência religiosa em políticas públicas. É necessário compreender que cada indivíduo terá uma experiência diferente a partir dessa relação, e que independente de sua escolha de se envolver ou não com práticas religiosas ou espirituais, jamais é justificado o preconceito baseado em sua identidade e/ou credo. 


Referências:


Ficha técnica:

Escrita: Bibiana Christofari Hotta

Revisão: Lara Moreno